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Da entropia à DISTOPIA das cervejarias artesanais

Da entropia à DISTOPIA das cervejarias artesanais
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Olá, nobres viventes cervejeiros!

O tema do texto de hoje foi sugerido pelo amigo e grande apoiador da cultura cervejeira nacional, o mestre Fernando Sant’Anna, nobre idealizador do grupo Garimpo Cervejeiro. Deixo o registro de sua grande contribuição para a nossa cena cervejeira e também para o pontapé no texto vindouro, já que ele foi sugestão sua.

Hoje vamos explorar certa dualidade no mercado cervejeiro artesanal. Como que se dão algumas dinâmicas de venda e compra de cervejarias, seja na modalidade de fusão ou qualquer outra incorporação empresarial entre elas.

Vamos falar de movimentos entrópicos, tendentes ao caos, quando uma cervejaria de algum posicionamento no cenário artesanal começa a ir mal, com queda na qualidade e acaba sendo vendida.

De outra banda, vamos falar também do “sonho de princesa” de toda a cervejaria artesanal, que almeja um dia o estrelato: ser comprada por um grande conglomerado cervejeiro. O efeito que por ora vamos chamar de distópico, porque seus efeitos na cultura cervejeira são bastante controversos.

Assim, convido todos a se inserir nesse maravilhoso mundo caótico e movimentado das orquestrações artesanais das cervejas.

Tempo e Qualidade… Elementos Inversamente Proporcionais

Tempo é dinheiro. Já dizia o antigo ditado popular. Por mais que essas crendices sejam um tanto quanto ilusórias ou mitológicas, no caso das cervejarias artesanais ele é também verdadeiro.

Nesse sentido, é comum se observar que a maioria das pequenas cervejarias, dado o seu volume de produção quase que caseiro, começa com um forte apelo qualitativo. Saliente-se que o referido apelo não é necessariamente uma demonstração forçosa de hype, ou se estilos mais festejados pela classe AAA de consumidores, nem nada do gênero.

Quando se fala em qualidade, na perspectiva apresentada, estamos tentando mencionar o maior esmero empregado quando se tem um volume menor de produção. Os processos são mais minuciosos, ainda que menos tecnológicos.

Um bom exemplo desse tipo de abordagem procedimental é a questão da decocção nas cervejas da família Lager. Trata-se de um processo produtivo bastante antigo, e tido por alguns como “rudimentar”. A verdade é que ele não é um processo de produção ultrapassado, e sim, custoso (no sentido de gasto de tempo dispendido) e trabalhoso.

Essa é a razão pela qual a decocção é muito raramente utilizada em processos produtivos de escala industrial (arrisco até a dizer que ela nunca é utilizada). Como tempo é dinheiro, e existem outras formas de se atingir o objetivo (ainda que sem o mesmo capricho e com a mesma qualidade final), opta-se, na maioria esmagadora dos casos, pela forma menos dispendiosa.

A inversão dos elementos temporais e qualitativos leva a um apressamento significativo da produção. Quanto mais rápido os objetivos são atingidos, menos qualidade se tende a ter com o produto cervejeiro final.

O Caos e a Entropia Cervejeira

O tempo é rei, ele é o senhor de todos os processos. Quanto mais ele passa, mais tendemos a alcançar o estado entrópico por natureza. Devemos compreender por entropia, a possibilidade de um estado de aleatoriedade produtiva, onde os processos cíclicos se encaminham para a dispersão do sistema.

Na natureza, a entropia não é um estado de decadência, no sentido de fracasso. Já que inexiste uma perspectiva moral ínsita a própria natureza. Contudo, trazendo o elemento central ao contexto cervejeiro, e da cultura cervejeira artesanal, percebemos que o estado de entropia em que algumas cervejarias se encontram, as levam a ser negociadas…

E tais negociações acabam não sendo a parte benéfica nessa história toda. Muitas vezes, a aquisição por uma cervejaria maior, ou sua incorporação, chamem como quiser a forma de agregação societária, não visa reestruturar qualitativamente o empreendimento.

Por vezes, a compra da estrutura e da marca cervejeira, ainda que ela não esteja em um momento tão bom, visa se aproveitar daquilo que a cervejaria já teve de bom. Ou seja, se valer de um marketing no passado que ela teve para tentar alavancar as vendas com base nesse substrato de sucesso qualitativo que já havia previamente e que por algum motivo não estava mais em seu auge de exuberância.

A questão é que para reviver os “bons momentos” do passado de uma cervejaria que atingiu alguma popularidade, o mercado atinge seu estado entrópico para resgatar a marca e recoloca-la de volta ao páreo. Isso ocorrer quando a cervejaria já se desorganizou ao ponto da instabilidade e precisa de uma nova retomada.

Nesse caso, o se vender ao mercado se torna uma questão de sobrevivência para continuar produzindo.

A Distopia da Grandeza Cervejeira

De outra banda, temos o sonho distópico de todas pequena cervejaria que está prestes a chegar ao seu auge e almeja ter bons lucros. O sonho de princesa de toda cervejaria é ser adquirida por um grande conglomerado e assim prosperar.

Não citei exemplos na seção anterior, para não ser injusto com cervejarias que tiveram seu auge no mercado artesanal e acabaram decaindo para serem vendidas. Contudo, na presente seção, os exemplos são inúmeros e são ainda mais exponenciais porque a qualidade decaiu após a venda ou fusão entre cervejarias.

Posso passar o dia citando exemplos, mas acredito que no mercado nacional os dois mais salutares sejam a Cervejaria Wäls e a Cervejaria Colorado. Ambas são frequentemente apontadas como “cervejarias vendidas”. Isto é, após serem incorporadas pela gigante AB InBev, a qualidade de suas cervejas decaiu progressivamente.

Há quem defenda-as em duas frentes. Primeiramente, apontando exemplos internacionais, de outras cervejarias renomadas que também foram adquiridas pelo mastodonte capitalista cervejeiro e mesmo assim se mantiveram como baluartes da cultura cervejeira. O exemplo comumente citado para esse caso é o da Goose Island.

Aclamada principalmente pela sua Barrel Aged Stout, a Bourbon County Brand Stout (ou BCBS), a Goose Island segue seu plano de difusão cervejeira nos EUA e também ao redor do mundo produzindo cervejas de excelente qualidade. Apesar de adquirida pela AB InBev, aparentemente, e numa análise bastante superficial, pode-se compreender que sua qualidade produtiva não foi afetada.

Falo de modo perfunctório porque, de fato, não conheci e não tomei nenhuma cerveja da Goose Island antes da aquisição pelo mega grupo econômico. Posso apenas asseverar com base no que já bebi, após a compra da cervejaria, que tanto a BCBS, como outras cervejas, como a Sofie (a Farmhouse Ale deles), são de uma qualidade ímpar e merecem ser degustadas sempre que possível.

Pode ser que ela seja a exceção das cervejarias adquiridas no sonho de princesa, ou pode ser que essa seja a regra para as cervejarias internacionais, não há como se fechar a questão derradeiramente. Fato é que esse ponto não invalida a perda de qualidade pós-AmBev com a Wäls e Colorado.

Secundariamente, argumenta-se que a AB InBev não altera as receitas originais das cervejarias que ela adquire. Confesso que acreditar nessa assertiva é um verdadeiro ato de fé. Claro, acredita quem quer. Eu simplesmente não consigo.

É muito óbvio que a empresa adquirente vai fazer todas as mudanças operacionais que julgar necessárias.

Tanto é que na maior parte das vezes uma das primeiras medidas de contenção e readequação de gastas é a dispensa imotivada de empregados, uma prática notoriamente anti-laboral e que atenta contra os preceitos sindicais, todavia, esse não é o foco do texto de hoje.

Além de mudanças de natureza operacional, é muito comum que haja mudança nos insumos utilizados, nos maquinários, nas formas de procedimento e em muitas etapas de produção. Todas elas podem afetar diretamente a qualidade final da cerveja produzida, ainda que a receita, em sua letra fria não seja alterada.

Por causa disso, por mais que não se altere a receita propriamente dita, todas as demais mudanças acessórias que podem (e geralmente são) ser feitas impactam diretamente as cervejas produzidas. As quais, por conseguinte, tendem a não ter a mesma qualidade de outrora.

Por vezes, o sonho de princesa de uma cervejaria é só beijar um sapo.

Decadentes ou Sobreviventes na Cultura Cervejeira?

Parece haver uma tênue linha entre a decadência e a sobrevivência na cultura cervejeira. Contudo, isso não é muito diferente do que ocorre com muitas bandas de Rock and Roll, por exemplo.

O caso clássico da crise paradigmática costuma vir após o primeiro disco de sucesso. Emplacar um segundo, tão bom e com tanto sucesso quanto o antecessor é uma tarefa hercúlea que poucos conseguem alcançar.

Traçando o paralelo com a cultura cervejeira, é igualmente árduo e complicado manter o sucesso após alguns bons lançamentos de cervejas. Por um lado, pode-se perder o timing da alavancagem, e a partir daí lograr mais sucesso ainda. Resta o consolo de ter que vender a cervejaria antes da derrocada completa.

De outro lado, caso o auge se perpetue por algum tempo, como todo jogador caro, sabe-se que o sucesso pode render frutos ainda maiores. Aí sim, o sonho de princesa vem, o estrelato do lado de grandes grupos cervejeiros mais imponentes ainda e maiores capacidades de produção em larga escala industrial.

Porém, nem sempre o sonho é a própria realidade. As críticas podem e tendem a vir ainda mais maciçamente. A aferição de qualidade por parte dos consumidores mais exigentes também tem a característica de se acentuar ainda mais. De modo que as cervejarias que antes tinham uma pequena produção artesanal não dão conta de manter o mesmo patamar em uma escala bem maior.

Daí as críticas vêm, e elas vêm bem mais pesadas. Não é fácil manter o alto nível com uma produção amplamente massificada, que o digam as bandas de Rock

O Último Gole

Tempo, processos, qualidades, fama e sucesso.

Todos esses substantivos são clássicos de uma trajetória vitoriosa. Contudo, se colocados de maneira desorganizada ou apenas focada no imediatismo, tendem ao fracasso.

Assim, não é raro se apontar casos de cervejarias que se venderam ao mercado para terem seu sonho de fama e sucesso ou que passados o seu auge acabaram sendo incorporadas por outras, apenas exercitando sua sobrevivência na cultura cervejeira, antes da decadência total.

Há casos e casos em que o sucesso foi soberbo ou que ele simplesmente acabou, e, infelizmente, a cultura cervejeira precisa aprender a assimila-los.

Saúde!

Lauro Ericksen

Escritor, Zitólogo, Cervejeiro, Oficial de Justiça, Doutor em Filosofia e Flamenguista.

Escrevo textos com garantia de bons papos sobre cervejas, críticas embasadas e um toque de ironia.

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