Fortemente impactado pelo fechamento dos pontos de venda, como bares e restaurantes, o mercado de cervejas artesanais também vem sofrendo com a queda de renda dos consumidores, provocada pela crise econômica. Mas especialistas avaliam que o segmento irá se recuperar, voltando a crescer. Só que a reação será lenta e ocorrerá com adaptações, como a busca por rótulos mais baratos, na produção e no momento de compra.
A paralisação das atividades por causa da pandemia do coronavírus reduziu a renda de milhares de famílias e, consequentemente, os recursos disponíveis para consumo. E mesmo aqueles menos afetados no cenário atual, mudaram os hábitos de compra por receio, para gastar menos.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que 12 milhões de pessoas terminaram o primeiro trimestre desempregadas. Estimativas apontam que, até o fim de junho, mais 5 milhões de pessoas terão perdido o emprego no país. Soma-se a isso a crise do mercado informal, onde 40 milhões de brasileiros trabalham, também estão sendo impactados pela redução dos ganhos.
Segundo uma pesquisa feita em maio pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), 40% da população já sofreu perda de renda, total ou parcial, o que representa aproximadamente 85 milhões de brasileiros.
Neste levantamento, 77% dos entrevistados disseram ter deixado de comprar produtos que estavam acostumados a consumir. Ou seja, mesmo quem não teve redução de rendimentos mudou seus hábitos para gastar menos. Já para 72%, o antigo padrão de consumo não será retomado após o fim da crise.
Mas a professora de varejo da Fundação Instituto de Administração (FIA), Patrícia Cotti, diz que nem sempre os cortes acontecem em itens não essenciais. Segundo ela, o isolamento social gera um efeito psicológico que faz com que as pessoas atribuam diferentes valores de necessidade aos produtos.
“Estudos demonstram o crescimento de itens como creme de avelã e leite condensado. Isto porque, diante da restrição e frustração pela perda da sensação de controle do futuro, as pessoas passam a se permitir em algumas questões”, aponta.
Segundo Patrícia, o mesmo princípio pode ser aplicado às bebidas alcoólicas. “O número de vinhos vendidos em supermercados bate recordes, bem como o número de entregas de cervejas. O consumo ‘indoor’ deste tipo de produto cresce a passos largos”, diz a professora, referindo-se a venda, durante a crise, de cervejas no geral, e não somente ao segmento de artesanais.
Retomada, ainda que lenta
Mas a limitação dos canais de venda faz com que a indústria de bebidas alcoólicas não consiga manter bons níveis de faturamento e produção. Segundo o IBGE, a fabricação de bebidas alcoólicas caiu 59% em abril. Em comparação com toda a atividade industrial brasileira, que retraiu 27,2%, a queda do setor de bebidas está ainda mais acentuada.
E mesmo com todo esse cenário adverso, a avaliação de especialistas é que as cervejas artesanais voltarão a crescer após a crise. Há avaliações mais otimistas, que esperam uma retomada ainda em 2020, enquanto outras consideram que o mercado voltará aos níveis anteriores à pandemia apenas no final de 2021.
Para o professor André Valle, coordenador do MBA de Gerenciamento de Projetos da FGV, e proprietário da cervejaria Masterpiece da cidade de Niterói (RJ), o consumidor ainda vai continuar optando pela qualidade das marcas artesanais.
Valle acredita que quando os bares reabrirem, as pessoas irão consumir essas cervejas na mesma quantidade anterior à pandemia. “O paladar não retrocede, a pessoa que se acostuma a beber uma cerveja com mais qualidade não volta atrás”, avalia.
Em sua visão, as pessoas voltarão rapidamente a frequentar os pontos de venda quando o isolamento acabar. “Baseado no que estamos vendo na Europa, com bares e restaurantes cheios na reabertura, eu acredito que aqui acontecerá a mesma coisa, guardadas as devidas proporções. As pessoas estão ávidas por sair”, diz Valle.
Rótulos mais baratos
Mas outras análises consideram uma recuperação mais lenta. Para o doutor em administração de empresas e professor Alexandre Luis Prim, que atua com gestão e estratégia empresarial, a pandemia deixará reflexos no comportamento dos consumidores pelos próximos dois anos, principalmente relacionados à confiança na economia.
“Ao não ter certeza sobre a renda e o futuro do mercado de trabalho, o consumidor poupa, ao menos em parte, os recursos financeiros. O mercado cervejeiro apresenta uma queda no consumo em consequência da pandemia, e uma forma de manter o consumo é optar por cervejas mais baratas”, avalia.
Alexandre, que também realiza pesquisas nas áreas de suprimentos e sobre a indústria 4.0, acredita que este impacto econômico entre os consumidores levará as cervejarias artesanais a criarem rótulos com preços mais competitivos, até mesmo revendo os insumos utilizados. “Acredito que as artesanais possam criar alguma linha ´meio-termo’, equilibrando entre as premiums e mainstream como alternativa de manter um padrão ainda artesanal, porém com menor custo”, diz.
Além disso, a retomada do setor de artesanais tende a ser escalonada, podendo haver uma migração para as marcas “mainstream” por conta da crise. Porém, conforme a atividade econômica for se recuperando, o segmento voltará a crescer, segundo Alexandre.
Para ele, no entanto, a confiança do consumidor retornará somente no segundo semestre de 2021. “Boa parte das bolsas de valores do mundo já demonstram uma retomada no investimento. Acredito que os valores da bolsa fiquem muito próximo ao antes da pandemia até final deste ano (no setor alimentício e bebidas), mas com repercusão nos negócios somente para 2021. Logo, a estabilidade econômica volta no segundo semestre de 2021, proporcionando maior segurança ao consumidor”, conclui Alexandre.
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