As leveduras e a produção de cervejas
Que o brasileiro gosta de
cerveja, isto todo mundo já sabe! Uma confirmação desse fato é o número
crescente de cervejarias no país: em maio chegamos a 1000 registradas no Ministério
da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).
O brasileiro gosta tanto de
cerveja que muitos também se interessam pelo processo de produção da bebida e
sabem que as leveduras, juntamente com o malte, a água e o
lúpulo, são ingredientes essenciais na produção da bebida. Mas será que os brasileiros sabem realmente quem são
as leveduras e o papel desses microrganismos na produção da cerveja?
Pode até parecer um assunto já dominado, mas tem muito cervejeiro por aí que ainda confunde leveduras com bactérias. Por isso vale a pena rever alguns conceitos e aprofundar seus conhecimentos sobre o tema.
As leveduras são fungos
unicelulares, não filamentosos, o que as diferem dos bolores. Elas se
reproduzem assexuadamente por brotamento, ou seja, sem cruzamentos genéticos e são
facilmente diferenciadas das bactérias, pois são bem maiores que essas últimas.
São microrganismos amplamente distribuídos na natureza, podendo ser encontrados
na água, no ar, no solo e até mesmo na pele humana. Dentre os eucariotas (seres
no qual a célula possui membrana nuclear delimitando o núcleo onde se encontra
o material genético) constituem o principal grupo de organismos utilizados na
fermentação de alimentos e bebidas a mais de 6.000 a.C.
Na cerveja, o principal papel das leveduras é converter os açúcares extraídos dos cereais, como o malte de cevada, em álcool e gás carbônico. Mas nem só de álcool vive a cerveja. Durante a fermentação a levedura produz centenas de compostos que nada mais são do que produtos do seu metabolismo que vão contribuir com características sensoriais únicas ao produto final. E esse é também um importante papel que a levedura tem no processo: a definição dos aromas e sabores da cerveja. Os sabores frutados como de banana e até mesmo de especiarias, como o cravo, são adquiridos de acordo com o tipo de levedura que é utilizado no processo de produção da cerveja.
Para quem gosta de ciência cervejeira esse é um tema que desperta muito interesse. Afinal de contas, a função do cervejeiro é conhecer bem a levedura escolhida em sua produção e prover as condições adequadas para que a ela produza, com maestria, a cerveja desejada.
Existem mais de 1.500
espécies de leveduras descritas. Mas, apesar de toda a revolução na ciência
cervejeira no mundo e da busca por novas leveduras para a produção da cerveja, duas
espécies são ainda as mais usadas na fabricação da bebida: Saccharomyces cerevisiae e a Saccharomyces
pastorianus. Ambas possuem variedades (linhagens), cada qual com
características únicas que geram uma das grandes divisões no mundo das cervejas
– a divisão entre cervejas ale e lager.
As leveduras ale, cuja a espécie é Saccharomyces cerevisiae, são as mais antigas utilizadas na fabricação da cerveja, e a mais diversificada geneticamente. As leveduras do tipo ale também são conhecidas como top fermenting yeast, ou leveduras de superfície, pois ao final da fermentação, em tanques abertos, combinam-se com as moléculas de CO2 e dessa forma são arrastadas para superfície do tanque, flutuando como uma massa de pão. Dessa forma, podem ser recolhidas e utilizadas para fermentar o próximo lote. São capazes de fermentar em temperaturas mais altas, entre 18º C e 24 º C, o que faz com que a fermentação seja mais rápida e possibilite a produção de aromas mais frutados, condimentados e complexos.
A descoberta das leveduras lager,
representadas pela espécie Saccharomyces
pastorianus, causaram um grande impacto no mundo da cerveja. São
relativamente mais novas: foram descobertas em meados do século XIX.
Se nas cervejas ales aromas e
sabores mais frutados e mais condimentadas são percebidos, devido a atuação da Saccharomyces cerevisiae, nas cervejas lager
a levedura se comporta como um coadjuvante, deixando o papel principal para os
maltes e o lúpulo.
A levedura lager é na verdade
um híbrido, ou seja, uma mistura de duas espécies: Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces
eubayanus. Essa última foi descoberta há pouco tempo na Patagônia Argentina
(2011) e hoje já é encontrada em outras regiões frias como Nova Zelândia e
Tibet. Diferentemente das leveduras ale, são menos diversificadas geneticamente
e fermentam em baixas temperaturas entre 8º C e 14 º C, de forma mais lenta. No
final da fermentação, em tanques abertos, depositam no fundo e por isso também
são chamadas de bottom fermenting yeasts
ou leveduras de fundo. No entanto, essa
diferença entre leveduras ale e leveduras lager, baseada no comportamento de
topo ou de fundo, tem se tornado menos usual com a utilização dos fermentadores
cilindro-cônicos. Nesse tipo de fermentador, tanto ales quanto lagers afundam
no tanque no final da fermentação.
Por tudo isso é possível
afirmar que a levedura é o ingrediente mais importante para a produção da
cerveja! Na Idade Média, quando os cervejeiros não sabiam exatamente o que era
a levedura, deixavam a cerveja fermentar espontaneamente em tanques abertos.
Quando o mosto (mistura açucarada) resfriava, era colonizado por microrganismos
do local, incluindo bactérias e leveduras, dando início a fermentação. Esse
método, apesar de antigo, ainda é utilizado na Bélgica na produção das cervejas
do estilo Lambics.
Mas hoje, a utilização de
leveduras únicas na produção da cerveja só é possível a partir da compreensão
científica e tecnológica do papel desses microrganismos nas fermentações e de
técnicas de microbiologia básicas. Com as novas descobertas o caminho estava
aberto para que os cervejeiros pudessem produzir cervejas mais padronizadas e com
os sabores e aromas que desejavam!
Gostou da leitura? A ciência por trás da cerveja é mesmo muito interessante!
Luciana Brandão é pós-doutorada em Microbiologia pela UFMG, cervejeira caseira, sommelière de cervejas, co-fundadora e CEO do Laboratório da Cerveja, empresa de biotecnologia e soluções em processos cervejeiros.
(no Instagram: @laboratoriodacerveja)
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