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Heineken chega para valer no Brasil e a briga promete esquentar

Heineken chega para valer no Brasil e a briga promete esquentar
Cervejas da Heineken (Foto: Eric Gaillard/Reuters)

Texto originalmente postado por /Época Negócios

Distinta senhora de tradicional família holandesa, 146 anos, vestida de figurino verde com estrelas vermelhas, não procura aventuras abaixo da linha do Equador. Favor não insistir. Era 2010. Depois de selar um pacto com o diabo no México, contudo, viu-se arrastada para mares tropicais nunca dantes navegados. Chegou, acostou-se, mas não se acostumou. Até este ano. Porque agora… ah, agora a festa esquentou. Tem até japonês. Resumo do resumo: quando a poeira baixar, haverá DNA holandês mais bem distribuído pela terra brasilis. Fim.

Ok, esse foi um jeito péssimo de contar a história da Heineken no Brasil. O jeito sóbrio seria assim: naquele ano, a cervejaria pagou US$ 7,7 bilhões pela mexicana Femsa, do empresário José Fernández Carbajal, vulgo El Diablo por causa de suas crônicas sobrancelhas altas. Ganhou de imediato a vice-liderança do mercado no México e, quase sem querer, marcas brasileiras pertencentes à Femsa de que os holandeses nunca tinham ouvido falar: Kaiser, Bavaria, Xingu.

“Você não constrói marca e participação de mercado com promoções”, diz o CEO da companhia no Brasil, o francês Didier Debrosse (Foto: Rogério Albuquerque)

E aí entra o japonês. Ou japoneses. No caso, os da Kirin, que perderam a proverbial paciência após anos de quedas na participação de mercado e resultados financeiros decepcionantes, e resolveram se desfazer de sua subsidiária brasileira, criada com a compra da Schincariol. Era a deixa para a Heineken, que em fevereiro pagou o equivalente a R$ 2,2 bilhões para ficar com o negócio. Com a aquisição da Kirin a empresa ultrapassou a Petrópolis, tornando-se a segunda maior produtora de cerveja do Brasil – tem agora 20,7% do mercado, o maior percentual de um vice-líder desde o nascimento da Ambev. No pacote vieram marcas regionais de peso, além das cobiçadas artesanais Baden Baden e Eisenbahn, uma linha de refrigerantes e de água mineral, 12 novas fábricas, 10 mil funcionários e – o brinco de pérola – uma rede própria de distribuição.

O salto foi grande. A Heineken dobrou de tamanho. Mas o francês Didier Debrosse, CEO da empresa no Brasil, dá a real da situação como se convidasse para tomar uma gelada: “A Heineken nasceu duas vezes no Brasil. Basicamente, vamos esquecer tudo o que fizemos e começar de novo. Temos de nos reinventar”. Haja energia e criatividade. Apesar de ganhar escala, a Heineken ainda caminha distante da líder Ambev, que domina 62,3% do setor. Pior: concorre diretamente com uma empresa conhecida por sua eficácia operacional, pela agressividade nas aquisições e pela política do “custe o que custar” (de preferência, bem pouco) para se manter no topo. É briga dura, reconhece Debrosse, que parece ter outro tipo de repertório para brigar.

Na companhia desde 1997, este senhor de 60 anos que passou a adolescência na Guiné chegou ao Brasil em 2013. E embora ainda prefira falar em inglês no dia a dia, pelo menos já abrasileirou a maneira de cumprimentar o pessoal do escritório: “Opa”. Estamos no quinto andar da sede da empresa, no bairro de Vila Olímpia, Zona Sul de São Paulo. Uma mistura de sala de reuniões com bar onde, de 15 em 15 dias, Debrosse reúne a equipe em happy hours regados a chope e descontração. Recentemente, os executivos passaram a poder pedir uma Devassa também. Garrafas de Schin, Itubaína, Kirin Ichiban ganharam espaço dentro de um armário de madeira com portas de vidro. Mas as verdadeiras novidades não estão à mostra. Debrosse é um homem pouco loquaz quando a conversa embica para estratégias, planos, o futuro dessa Heineken renascida. Deixa escapar uma obsessão que o persegue: fazer com que todos os funcionários no Brasil, novos ou antigos, pensem “além da garrafa verde” e “não tragam ideias apenas para a marca Heineken”. Trocando em miúdos, ele quis dizer que a Heineken a partir de agora é também tudo o que comprou – e é com esse tudo que a companhia acredita que pode avançar mais, sem necessariamente seguir o líder.

A cervejaria holandesa está longe de ser uma amadora em aquisições. Tem feito isso há décadas. O esquema é um velho conhecido: ela entra num novo país com a marca Heineken, que é a sétima mais vendida no mundo, e monta uma equipe enxuta. Estuda o mercado, identifica um alvo e dá o bote. O resultado costuma levá-la à liderança ou à vice-liderança de mercado. Só que no Brasil a escala é outra. “A união de dois negócios enormes”, diz Debrosse, “é algo que nunca ocorreu na história da Heineken”. Junte aí o fato de essa união se dar no quintal da voraz Ambev e pronto: os desafios também serão outros.

Contornar a apreensão entre os 10 mil funcionários da antiga Brasil Kirin (e até entre os 2 mil da própria Heineken), que especulam sobre a possibilidade de demissões, é uma das dificuldades mais imediatas. Até agora, 18 executivos e 135 funcionários da fábrica da Kirin em Itu (SP) foram dispensados. Até o final do ano será fechada a fábrica da Heineken em Gravataí (RS), resultando na demissão de 145 empregados e 37 terceirizados. E esses foram apenas os primeiros movimentos. De todo modo, as coisas devem ir devagar, conforme a música historicamente tocada pela distinta e centenária senhora holandesa.

NO PACOTE Com a Kirin, a Heineken passou a contar com 16 fábricas e ganhou 10 mil funcionários, além de uma rede própria de distribuição. Assim, ela dobra de tamanho e fortalece sua presença nacional, sobretudo no Nordeste

EM FAMÍLIA
Freddy Heineken, neto do fundador Gerard e responsável pela globalização da companhia no século 20, gostava de dizer: “Não planejo os próximos cinco anos. Tenho de pensar em gerações”. Amparado por essa crença, o ex-presidente da companhia, Karel Vuursteen, uma vez tascou essa a uns investidores americanos descontentes e sedentos por dividendos: “Eu dirijo uma empresa. Não a bolsa de valores”. Passados mais de 150 anos da fundação, a família permanece como acionista majoritária do negócio, com pouco menos de 25% de participação, e acompanha de perto os movimentos da empresa. Charlene de Carvalho-Heineken, filha de Freddy, passou a representar os interesses da família no conselho de administração da companhia após a morte do pai, em 2002 (leia mais detalhes no quadro da página 38). E apesar de não estarem em funções executivas, a importância dos Heineken no dia a dia da cervejaria é inegável. Em uma entrevista de uma hora e meia, o CEO Debrosse citou a família pelo menos 12 vezes: “a marca Heineken é o nome da companhia e também o de uma família”, “como temos a família como acionistas estamos sempre pensando no longo prazo”, “se é um problema para a marca Heineken, é um problema para a família Heineken”…

Essa relação ajuda a explicar diversas características da gestão da empresa. Desde a maneira como a Heineken encara o marketing e administra suas marcas até a postura menos agressiva de caminhar, com passos mais lentos do que as concorrentes em determinados momentos, o que por vezes acaba também resultando em rentabilidade inferior. Em 2015, por exemplo, em comparação com seus competidores, a Heineken só liderava em lucratividade na Ásia. “A empresa está nas mãos da família há mais de 150 anos, e provavelmente estará nos próximos 100. Não estamos pensando no trimestre”, afirmou Debrosse, invocando “a família” uma décima-terceira vez. Na prática, isso pode significar aceitar perder participação de mercado no curto prazo para evitar desgastar uma marca. “Nós sempre protegemos a imagem da marca. Sempre. Não vamos atrás de volume a qualquer preço”, continua Debrosse, deixando claro que na cultura da empresa não há espaço para o custe o que custar. “A gente trabalha essa noção de continuidade. Não estamos preocupados apenas em entregar os resultados no ano de 2017. Temos de entregar 2017, mas também estar aqui em 2027, em 2037”, reforça Carla Sauer, vice-presidente de RH da empresa no Brasil.

Outra preocupação constante da Heineken, além do planejamento de longo prazo, é com a qualidade dos produtos e do relacionamento com parceiros. Quanto ao primeiro ponto, tudo gira em torno da chamada levedura A, única e exclusiva da Heineken. É ela que dá o famoso gosto característico da marca. Mas não sob quaisquer condições. Em 1973, a cervejaria percebeu que o sabor mudava quando a fermentação da levedura ocorria a alta pressão dentro de tanques verticais. Era preciso fermentá-la em tanques horizontais, com baixa pressão, deixando a levedura A descansar por três semanas. “Até hoje, a maioria das cervejarias utiliza o modelo vertical, já que a produção sai mais barata”, diz o mestre-cervejeiro global da Heineken Willem van Waesberghe. Menor custo, neste caso, não é a prioridade da cervejaria holandesa. Quanto ao segundo ponto, ainda no campo da pressão, é comum ouvir de ex-funcionários que a empresa pode, sim, diminuir a cobrança se a obsessão pelas metas estiver arranhando um relacionamento com o consumidor, o fornecedor ou o distribuidor. Os holandeses são conhecidos por não brigarem por mercado usando o preço como arma. Para Debrosse, a equação é simples: “Eu acredito que você não constrói marca e participação de mercado com promoções. Se você quiser bater uma meta trimestral, pode ser muito agressivo. Mas, se é verdade que poderá ganhar em volume no curto prazo, também é verdade que vai perder logo depois”.

CORDIALIDADE
Houve momentos no passado em que a Heineken optou por vender menos cerveja em nome da “relação” ou por algum receio de desgaste à marca. “Em geral, a empresa faz ajustes em investimentos e despesas para compensar eventuais gargalos em receita, em vez de buscá-los por meio de pressão total sobre as equipes de vendas”, diz um ex-executivo. “A Heineken é uma empresa em que a educação e a colaboração entre todas as funções é muito valorizada. É uma companhia mais de marcas do que de vendas”, completa Isabel Moisés, ex-vice-presidente de RH da subsidiária brasileira. O velho Freddy também gostava de dizer que vendia cordialidade, não cerveja.

Essa postura se reflete ainda no ambiente interno. A pressão por metas e resultados existe – algo inerente a qualquer empresa de bebidas ou do varejo – mas é descrita como “saudável”. “Meta é sobrevivência”, diz Carla Sauer. “Mas 70% das nossas hoje se referem à empresa como um todo. E 30% dizem respeito ao indivíduo e à área dele.” O crescimento de um funcionário dentro da empresa, porém, depende de outros fatores, além da capacidade de bater metas. Ali se privilegia a contratação de gente bem relacionada e com perfil diplomático. “Atingir os objetivos é condição, mas está longe de ser suficiente. O ‘como’ é o que realmente faz a diferença.”

Nos próximos meses ou anos, Carla e Debrosse terão de se debruçar sobre muitos “comos” em relação à operação brasileira, agora o maior mercado em volume da Heineken no mundo. Seguindo a classificação das próprias empresas do setor, há hoje três principais segmentos no mercado de cerveja no Brasil: o econômico, que engloba as marcas mais baratas; o mainstream, das mais populares, geralmente produzidas com cereais não maltados, como milho; e o premium, com as cervejas “puras”, fabricadas com malte e outros ingredientes “especiais”. O preço da bebida aumenta do econômico para o premium. Ao comprar a Brasil Kirin, que mantinha, no ano passado, pouco mais de 9,8% do mercado brasileiro de cerveja, a Heineken garantiu um portfólio mais completo nessas três categorias. Conseguiu reforçar o segmento premium e artesanal – menina dos olhos do mercado, onde ela já era relevante –, com as marcas Eisenbahn e Baden Baden. No mainstream, responsável por 75% das vendas no país, ganhou a Schin, particularmente forte no Norte e Nordeste, onde a presença da Heineken era tímida. E no econômico chegaram os rótulos No Grau e Glacial.

A verdadeira luta, entretanto, deve ocorrer no segmento premium. É lá que a Heineken posiciona sua marca principal. A garrafinha verde de estrela vermelha se vende (e é vista) como uma cerveja cool, cosmopolita, puro malte, que zela pela qualidade. Com as marcas Heineken e Sol, ela teve pouco mais de 20% de participação nessa faixa no primeiro semestre. Com a aquisição de Eisenbahn e Baden Baden, sobe para 25%. A categoria premium representa cerca de 8% do mercado nacional e foi a única que cresceu nos últimos dois anos, frente a uma queda de 14% em volume produzido de 2014 a 2016. Além da Heineken, Stella Artois e Budweiser, da Ambev, foram as marcas que resistiram bem à recessão brasileira. Tanto que no primeiro semestre os holandeses reportaram queda nas vendas totais no país, mas alta de dois dígitos no segmento premium. “O Brasil segue a tendência global de consumir menos, mas melhor”, define Angélica Salado, analista da Euromonitor. O raciocínio também vale para as artesanais. Se a Heineken passa a ter Eisenbahn e Baden Baden, a Ambev, sempre atenta, tem Wäls e Colorado.

Mas Debrosse sabe bem o que vem pela frente. Em 2015, ao comprar a SAB Miller, a Ambev disparou na posição de maior cervejaria do mundo. Conseguiu em 30 anos o que a globalizada Heineken, orgulhosa de estar em cinco continentes e 192 países, não conseguiu em 150. Hoje, o tubarão branco criado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Alberto Sicupira tem valor de mercado de € 200 bilhões. A Heineken, de € 50 bilhões. É “só” com isso aí que os holandeses passam a brigar agora que subiram à parte de cima do ranking brasileiro. E se no varejão das cervejas é quase impossível pensar em Schin, Kaiser ou mesmo Amstel roubando muitos consumidores de Brahma, Skol e Antarctica, no segmento premium a briga promete ser mais divertida. De todo modo, com a aquisição da Kirin, o tabuleiro de Debrosse passou a permitir uma possibilidade maior de jogadas. E talvez haja algumas casas de vantagem porque, na retração geral do setor com a crise econômica brasileira, a Ambev andou perdendo peões: 6,6% de queda de vendas em 2016. Procurada, a empresa não quis comentar.

O Brasil é o terceiro maior mercado de cerveja do mundo, atrás da China e dos Estados Unidos, e o único entre os três primeiros com perspectiva de crescimento até 2021, segundo a Euromonitor. A Heineken, no entanto, tinha apenas cinco fábricas e estava presa a uma rede de distribuição terceirizada, fruto de uma parceria entre a Femsa e a Coca-Cola. “Precisávamos de escala e de mais presença no mercado”, disse Debrosse. As coisas mudaram bastante. A Brasil Kirin trouxe, entre seus ativos, 12 fábricas e uma rede logística montada por 180 distribuidores próprios e independentes, em um sistema desenvolvido pela antiga Schincariol que já funciona há décadas. “No fundo, o que Heineken comprou foi a tecnologia industrial que a Schincariol criou”, comentou um ex-funcionário do alto escalão da Brasil Kirin. “A Heineken deve usar os galpões, as fábricas e a distribuição da Kirin para potencializar o crescimento no Brasil das suas marcas”, corrobora Phillip Soares, analista da Ativa Investimentos. Debrosse está animado: “Nós tínhamos uma presença muito tímida no Nordeste. Hoje, com a Brasil Kirin, a exposição é fantástica. E, junto com a marca Schin, podemos colocar a marca Heineken na região”.

PROPAGANDA Com sua imagem “cool”, construída por meio de um marketing ousado e pouco convencional, a cervejaria holandesa agora terá de conversar também no segmento popular das marcas Cintra, No Grau e Glacial

MESA DE BAR
Embora a rede de distribuição própria encareça a operação, ela pode fazer a diferença para tornar a Heineken mais eficiente. O casamento de anos com a Coca-Cola já tem data para terminar: 31 de outubro. Daí para a frente, os holandeses usarão a rede de distribuição herdada dos japoneses. A Coca não gostou nada do fim do acordo. Alegou que o contrato tinha prazo até 2022 – e que deveria ter sido informada com antecedência sobre o rompimento. O resultado é uma briga que se arrasta nos tribunais e que, em 2018, será alvo de um processo de arbitragem

A percepção é que na distribuição do sistema Coca-Cola, as cervejas vendidas pela Heineken tinham menor importância e eram deixadas de lado. Isso faz toda a diferença no ponto de venda, já que é o distribuidor de bebidas que faz parcerias com bares e restaurantes para que eles exponham as propagandas, mesas e cadeiras de determinada marca. O poder de barganha do distribuidor é tão grande que alguns donos de bares, em troca de vantagens comerciais, comprometem-se a não vender, ou pelo menos não expor, produtos das concorrentes. Questão de sobrevivência, já que no setor de bebidas as vendas em bares e restaurantes são maiores do que nos supermercados. Adalberto Viviani, diretor-presidente da consultoria Concept, resume: “O que fideliza o consumidor no mercado de bebidas é a distribuição, é ter o produto gelado no ponto de venda. Quando você não tem a distribuição na sua mão, terceiriza sua vantagem competitiva”.

Nesse quebra-cabeça, o lacônico Debrosse emudece sobre a possível chegada de marcas novas ou a retirada de algumas já existentes. Ele diz apenas que nenhuma delas será desvirtuada ou terá sua receita alterada. A estratégia, segundo observadores, passaria menos pela eliminação de marcas do portfólio e mais por aproveitar regiões do Brasil mal exploradas pelas concorrentes. A grande incógnita, porém, é que destino a Heineken dará às linhas de refrigerante e água que comprou da Brasil Kirin. Há marcas fortes como a Itubaína e outras que vendem muito no Nordeste, como os refrigerantes Schin. Os holandeses estariam dispostos a entrar nesse mercado, que tem sido preterido por um monte dos consumidores famintos por alimentos mais saudáveis? Debrosse é só silêncio.

Mas andar pela contramão não seria de todo novidade. Em 2010, quando desembarcou meio por acaso, depois do pacto com o El Diablo mexicano, a verdade é que a marca Heineken não colou imediatamente por aqui. Com orçamento enxuto, ela precisava convencer os brasileiros a experimentarem uma cerveja mais amarga e de nome esquisito. Distribuidores não queriam incluí-la no portfólio, eventos recusaram seu patrocínio e, após tantos “nãos”, a empresa cogitou até mudar sua fórmula no Brasil. A saída foi ter paciência e criatividade. “Se a gente construísse a marca da mesma forma como o resto do setor, seríamos apenas uma gota no oceano. Então, pensamos: se todo mundo vai para a direita, vamos virar à esquerda”, contou Daniela Cachich, ex-vice-presidente de marketing, em entrevista em maio de 2016 ao podcast do site Brainstorm9. Ir para a esquerda significava desafiar os clichês de propaganda da categoria no país. O surrado esquema praia, samba & bunda. “De repente a Heineken chega conversando com todos os gêneros, associando o consumo de cerveja a entretenimento e se diferencia”, explica Marcelo Pontes, líder acadêmico da área de marketing da ESPM.

Numa das propagandas de maior sucesso, vencedora de um leão de ouro em Cannes, mulheres brasileiras vão à Itália ver a final da Champions League enquanto seus namorados, “espertões”, pensam que as enganaram para ir assistir ao jogo no bar. “Eles encaram a publicidade como parte do negócio, querem dividir estratégias, ouvir nossa opinião. Não veem o marketing como simples ferramenta para os fornecedores”, diz Felipe Giacon, diretor da J. W. Thompson, agência da marca Amstel, uma cerveja mais barata do portfólio Heineken lançada no Brasil em 2015 para combater Brahma e Skol. Suas propagandas não trazem mulheres nuas, e a nacionalidade holandesa também é ressaltada. Foi a primeira marca a patrocinar o carnaval de rua de São Paulo, em 2016. Neste ano, depois de perder a licitação da prefeitura para a Skol, ofereceu bilhetes de metrô gratuitos para os foliões voltarem para casa e, malandramente, distribuiu porta-latas que cobriam a marca Skol com Amstel.

Replicar esse modelo em produtos mais populares, que não têm a tal da “fórmula holandesa”, é o grande busílis. Se as marcas da Kirin ampliam as oportunidades para a Heineken, elas impõem, por outro lado, um grande desafio cultural: agregar a seu portfólio cervejas com histórico de incoerências na comunicação e até de escândalos. A Devassa, por exemplo, teve um comercial de TV estrelado pela celebridade-rica-não-faz-nada Paris Hilton suspenso pelo Conar por ser considerado “sexista”. As econômicas No Grau, Cintra e Glacial lutam centavo a centavo com as concorrentes. Como tratar todas essas diferenças sob o guarda-chuva de um grupo que sempre vendeu sua história, sua tradição e seu lado “empresa de família”? “Cada marca tem sua própria personalidade e percepção de qualidade, além de preços e embalagens que melhor lhe cabe. Não vamos colocar a marca Heineken acima de tudo isso”, diz Bram Westenbrink, vice-presidente de marketing da Heineken Brasil.

A senhora holandesa vestida de verde e vermelho avisa que chegou de vez na festa. Topa até uma contradança. Mas sem perder a distinção, jamais.

Beba na Fonte /Época Negócios

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