Cerveja e Amamentação, especialistas em nutrição e alimentação confirmam o valor nutricional exaltado um século atrás, mas consideraram descabidas as propagandas que vendiam a bebida alcoólica como tônico contra anemia e promessa de mais leite às mães.
“Se beber, não dirija”: o aviso faz parte das propagandas atuais de cervejas e outras bebidas alcoólicas. Geralmente, a “gelada” aparece em clima de festa, bar e alegria entre pessoas adultas, seja na TV, veículos impressos ou internet. Qualquer apelo suspeito pode ser punido com multa e retirada da campanha do ar. Mas as regras nem sempre foram assim e houve um tempo em que a cerveja era indicada contra anemia para crianças, mulheres que estavam amamentando e até como adequada para o ambiente de trabalho. “Eram anúncios totalmente descabidos, alguns chegavam a ser chocantes e ofensivos”, comentou o nutrólogo do Hospital Villa Lobos, André Veinert.
Um comercial da Rainier Beer veiculado há pouco mais de 100 anos, por exemplo, mostrava um adulto e uma criança brindando com um copo de cerveja em mãos e uma legenda que dava à bebida o posto de melhor tônico para as pessoas, imbatível a qualquer remédio. Anos mais tarde, a Malzbier, da Brahma, foi anunciada com uma propaganda que dizia: “a cerveja doce para senhoras e crianças, o tônico contra anemia e palidez”. Mas, como o consumo de álcool pode ser benéfico a crianças? Para a endocrinologista do Hospital Santa Cruz de São Paulo, Lilian Kanda Morimitsu, não havia clareza da química nos processos de fabricação dos alimentos e bebidas e, “provavelmente, se confundia as propriedades benéficas da levedura com a própria cerveja”.
Lilian afirmou que as leveduras de cerveja têm elevado teor de nutrientes e nível proteico (50%), são ricas em vitaminas do complexo B, como B1, B2 e ácido fólico; possuem todos os aminoácidos essenciais, como leucina, lisina e alanina; e muitos minerais, entre eles potássio, cálcio, fósforo, magnésio e zinco. O benefício a crianças e adolescentes seria em relação ao levedo de cerveja e não à bebida em si, explicou a endocrinologista. “A levedura pode ser produzida propositalmente para ser utilizada como suplemento alimentar, mas também ser extraída após o processo de fermentação da cerveja”, disse a profissional.
Acreditava-se no passado, de acordo com Veinert, que a cerveja combatia a anemia por ser rica em ácido fólico, “que faz parte da formação dos glóbulos vermelhos”. As cervejas pretas têm maior concentração desta vitamina, disse. A nutricionista Márcia Loureiro citou uma pesquisa feita pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp que descobriu que uma lata de cerveja tem cerca de 20% da quantidade de ácido fólico recomendado por dia para um adulto. O tipo malzbier apresentou mais que o dobro da substância em relação ao pilsen e sem álcool, afirmou Márcia.
Cerveja e Amamentação
As recomendações “medicinais” da cerveja não paravam por aí. Uma das propagandas da Guinness, veiculada há menos de 100 anos, colocou um médico como protagonista recomendando o consumo da bebida. A Antarctica lançou anúncio em que um bebê segurava uma garrafa de cerveja e a oferecia para a mãe. Outro comercial, de uma marca desconhecida, mostrava uma mãe amamentando e como a cerveja a ajudava nessa etapa da vida. “A crença era de que a cerveja estimulava a produção de leite, pelo valor nutritivo e porque também relaxava a mãe, aumentando a produção do leite”, disse Veinert.
A ideia é um mito, segundo Márcia, o que aumenta a produção de leite é a ingestão de líquidos e a sucção regular da criança. Além disso, a nutricionista afirmou que o leite pode ser contaminado, pode afetar a fome, sono e desenvolvimento motor do bebê. “Os níveis de álcool no sangue e no leite ficam alterados mais de uma hora e meia após o último drinque. Nas quatro horas seguintes que uma mãe toma um copo de vinho ou lata de cerveja, o bebê ingere 23% menos leite materno”, alertou Márcia.
No trabalho…
Se hoje em dia unir cerveja e trabalho pode gerar punições graves, houve um tempo em que a combinação era incentivada pelas próprias marcas. Entre os anúncios antigos da Malzbier, da Brahma, um deles dizia “virar no trabalho, só mesmo com Malzbier”, como legenda de um trabalhador tomando um copo da bebida. Outro ilustrava um empregado em seu intervalo comendo sanduíche e tomando a cerveja escura. A marca também relacionou o consumo de cerveja a atividades profissionais em um anúncio que estampava o Palácio do Planalto como pano de fundo para uma taça de Brahma Chopp.
As bebidas alcoólicas, em geral, causam certo relaxamento, pois o álcool age como um depressor do sistema nervoso central, disse Veinert, no entanto, também podem afetar os reflexos, raciocínio, memória e desempenho no serviço, além de causarem dependência. Segundo os entrevistados, as propagandas se aproveitavam da ausência de uma regulação mais rígida para vender “a qualquer custo” os produtos. “Hoje se tenta relacionar a cerveja com períodos de descontração, não é atrelada ao ambiente rotineiro e sempre há a orientação do consumo moderado”, considerou Veinert.
Existem leis para assegurar que as propagandas sejam criadas com foco no público adulto, comentou Márcia. Atualmente, o conhecimento corre com velocidade maior do que antigamente, principalmente por causa da internet, avaliou Lilian. Com isso, segundo a endocrinologista, informações não podem ser veiculadas sem a comprovação científica. “Para dizerem que a cerveja faz bem à saúde hoje, devem ser apresentados uma série de resultados de pesquisas feitas por entidades respeitadas”, concluiu Lilian.
De olho nas propagandas
A Leinº 9.294, que regula os comerciais das bebidas alcoólicas – antes válida apenas para produtos com mais de 13°GL e estendida para qualquer produto com mais de 0,5 °GL por decisão da Justiça Federal -, proíbe propagandas em repartições públicas, a sugestão do consumo exagerado ou do bem-estar, a indução de que a cerveja seja calmante ou estimulante, relacionar a bebida ao êxito sexual, associar o produto a atividades físicas, incluir a participação de crianças e adolescentes, entre outras restrições.
Fonte: Terra