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Salve, salve!
O texto de hoje será minha estreia na coluna do Bebendo Com Amigos e me sinto lisonjeado com mais esse espaço para escrever e debater sobre cervejas. É sempre prazeroso falar sobre um tema tão rico e vasto.
Nesse passo, é importante destacar que, por vezes, ficamos confinados à bolha que nos cerca sobre determinado assunto, seja ele qual for: política, religião, ciência, futebol… não varia muito à noção que temos sobre o tema quando estamos profundamente inseridos nele.
Algo bem similar acontece no mundo cervejeiro. Quem já acompanha e bebe cervejas artesanais há algum tempo (eu estimo que, pelo menos, há mais de dois anos, por exemplo), já tem um senso de pertencimento tão grande que o faz se sentir inserido em uma bolha (cervejeira).
Falo de bolha porque as próprias redes sociais nos bombardeiam diuturnamente com aquele determinado assunto. De modo que não temos muita noção do que se passa fora dele, ou com quem ainda, de uma forma ou outra, não tem acesso a ele. Pouco ficamos sabendo que a maioria esmagadora do público que não consome cerveja artesanal, pouco sabe sobre isso ou sequer conhece mesmo.
Os motivos para esse distanciamento (ou estranhamento) causado pela bolha e pela não inserção da maioria do público são de vários matizes. O texto de hoje visa, portanto, analisar alguns deles, para que possamos compreender melhor como o acesso à cultura cervejeira pode ser de alguma maneira efetiva democratizado e ampliado.
O Conhecimento Sobre Cervejas Artesanais
Tal qual ocorre com qualquer nicho de mercado, quanto mais nos especializamos sobre ele menos temos noção da quantidade de pessoas que sequer sabe da existência daquele segmento. Isso é uma consequência até “natural” da especialização em determinado assunto, quanto mais conhecemos menos sabemos sobre quem não sabe daquilo.
Instintivamente, temos a percepção de que se já conhecemos algo, as demais pessoas também conhecem (ou, ao menos, deveriam ter a obrigação de saber ou conhecer). Contudo, o suprimento meritocrático de conhecimento é ilusório. O fato de sabermos de algo não torna aquele conhecimento universal, tampouco seu acesso é facilitado.
Trazendo essa percepção para a cultura cervejeira, há de se ter em conta que a maioria das pessoas nem sequer visitam a seção de cervejas especiais do supermercado. As razões são inúmeras, principalmente econômicas, mas, por ora, vamos nos focar na questão do conhecimento.
As pessoas tendem a conhecer apenas a seção de cervejas de massa. Podem até saber que existe a outra seção das cervejas especiais, mas pouco são despertadas a visita-la ou sequer dar uma passada rápida de olho. O conhecimento pelo desconhecido não é fustigado, como se aquela seção fosse algo dispensável ou supérfluo.
A Cultura Cervejeira
Quando se fala em algo que é criado pelo homem, isto é, não é encontrado apenas disposto na natureza, estamos falando de algo que é culturalmente construído. Na sociedade que vivemos, muitas coisas se enquadram nessa categorização, uma delas, é a cerveja.
Por esse motivo, podemos falar com propriedade, que existe uma “cultura cervejeira”. A cerveja, apesar de ser um líquido divino, não dá em árvore. Por isso mesmo que além de suas etapas produtivas, as quais não entrarei em detalhes no texto de hoje, existe toda uma cultura que a rodeia.
Assim, dentro da cultura cervejeira existem os estilos de cerveja, as escolas cervejeiras, os tipos de copos e taças adequados aos mais diversos tipos de cerveja, e também as boas práticas cervejeiras, que incluem higienização e serviço. Todos esses pormenores integram o conjunto mais amplo do que é a cultura cervejeira, e cada um desses é passível de um maior aprofundamento.
Como se percebe, em vista do que foi falado, a cultura cervejeira é um mundo de possibilidades e de deleites dos mais diversos aromas e sabores. Contudo, para conhecer melhor a cultura cervejeira, é necessário que haja educação sobre o tema e também acesso a ele.
A Educação Cervejeira
Como na seção anterior definimos as premissas básicas da cultura cervejeira, ainda que de modo um tanto quanto amplo e superficial, podemos desdobrar um de seus aspectos principais: a educação cervejeira.
Todos os elementos culturais da sociedade demandam uma carga educacional para que sejam aprendidos, assimilados, e, posteriormente passados adiante (ou seja, ensinados a novas pessoas). Absolutamente, com a cerveja não é diferente.
Levando-se em conta a infinidade de estilos e as diferenças sensoriais existentes entre eles, é necessário que todo esse cânone seja ensinado de alguma forma. Pois, caso contrário, estaremos sempre condenados a um estágio abaixo da mediocridade, submissos ao controle massificado da produção industrial.
É nesse ponto que entra a questão do acesso ao conteúdo cervejeiro, no que tange, especificamente, à cerveja artesanal e seus derivados (colecionismo cervejeiro, de maneira um pouco mais alargada). O acesso ao conhecimento cervejeiro deriva dos meios de educação que são ofertados ao consumidor.
Decerto, um consumidor educado e conhecedor do tema tende a preferir produtos de maior qualidade, tanto quanto maior for o seu poder aquisitivo. É uma consequência do acesso à cultura cervejeira que o horizonte de possibilidades acabe se convertendo em um consumo mais dedicado e mais exigente.
Quanto maior for a capacidade de julgamento e escolha, advindas dos procedimentos educacionais atrelados à cultura cervejeira, maior será o nível de exigência do consumidor. A medida em que ele é capaz de identificar os diferentes estilos de cervejas, os mais variados off-flavors (defeitos de produção), dentre outras peculiaridades desse universo, mais exigente ele se torna e maior é a evolução na produção das cervejas.
A educação cervejeira é uma poderosa ferramenta de acesso à cultura cervejeira. Sem o implemento educacional, que depende de uma série de fatores quantitativos e qualitativos, estaremos sempre fadados às cervejas de massa.
Da Influência do Marketing ao Mercado Cervejeiro
Infelizmente, são poucas as pessoas que são capazes de pesquisar por si só ou de destrinchar os guias de estilo (como o do BJCP ou do Brewers Association), demanda-se, portanto, que outras ferramentas mais midiáticas sejam implementadas.
Esse papel nos dias atuais de Reels e Tik Tok poderia (ou, deveria) ser assumido pelos influencers, já que o pessoal da velha-guarda, como eu, ainda prefere a mídia escrita (sim, ainda estou me sacrificando para escrever textos cervejeiros, coma esperança que sejam lidos) às dancinhas.
Porém, o que se parece ver na sociedade da informação 2.0 é que a maioria dos influencers está mais interessada em gerar um conteúdo direcionado aos seus patrocinadores. Perdendo um pouco do viés educacional pretendido (um tanto quanto que ingenuamente pela minha pessoa, conforme disposto na seção anterior).
Ou seja, os direcionamentos de marketing estão mais interessados em vender certas cervejas do que educar o público para um maior acesso e conhecimento ao mundo das cervejas artesanais. Essa é uma das causas da concentração em um pequeno número de estilos de cerveja artesanal que faz sucesso, ou alguém cogita fazer algo que fuja da tríade: (Hazy) IPA, (Smoothie) Sour e (Pastry) Stout?
Se fizer, pesarosamente, as chances de insucesso são grandes. O acesso à cultura cervejeira já é algo bem restrito. Dentro desse acesso, ele ainda se vê ainda mais limitado aos poucos estilos mencionados. E isso se deve em grande parte ao direcionamento influenciado ao marketing do mercado cervejeiro.
Compreendo a assertiva de que: ninguém faz cerveja artesanal para ter prejuízo. Todavia, essa questão deve ser sempre discutida pela educação e pelo acesso à cultura cervejeira.
Por isso deixo o questionamento: se houvesse uma difusão maior da cultura e do acesso a outros estilos cervejeiros, será que nosso consumo estaria restrito apenas poucos estilos?
O Último Gole
Vamos finalizando mais um texto cervejeiro. Mais uma vez com a sensação de dever cumprido em disseminar e implementar, ainda que de uma forma mínima e com alcance reduzido, a cultura e a educação cervejeira.
É um trabalho filantrópico de prover acesso a um conteúdo de qualidade sobre esse mundo das cervejas artesanais. Sem qualquer tipo de direcionamento financeiro ou de predileção por cervejarias. Em suma, sem o famoso jabá.
Dou meu último gole concluindo que ainda existe um vasto contingente de consumidores em potencial que se restringem às cervejas de massa simplesmente porque não conhecem os mais diversos estilos de cervejas que existem. Levar informação e conhecimento a eles é ampliar e difundir a cultura cervejeira cada vez mais.
Derradeiramente, cada informação bem provida, cada matéria bem escrita, e cada fato novo provido ao leitor é o que inspira a continuar. Espero sempre ser um provedor de bons conteúdos educativos sobre o mundo cervejeiro e sobre a sua interessantíssima cultura!
Afinal, compartilhar conhecimento cervejeiro é uma dádiva!
Saúde!