Cervejarias costumam ser fundadas por amor à cerveja. Mas o cotidiano deixa um gosto amargo, com burocracia e custo de distribuição muito sensível ao volume. Para baixar a pressão e afrouxar o colarinho, empresários estão decidindo rachar a conta, ao fazer compras conjuntas de insumos, ações de cobranding, fusão de marcas ou parcerias para produções “ciganas”.
A cooperação entre cervejeiros é uma decisão administrativa que começa a render resultados criativos. Em julho foi catalogado, pela primeira vez, um tipo de cerveja brasileiro: a Catharina Sour, leve e ácida, com adição de frutas, criada de forma colaborativa por mais de 20 cervejarias de Santa Catarina.
“Isso prova que o setor de cervejas artesanais é um dos mais colaborativos, com ajuda mútua e troca de informações”
Diz o presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli. Veja a seguir quem está unindo forças.
Sociedade cervejeira – ou a Dogma
Leonardo Satt, 40, tomou gosto pelas cervejas artesanais em 2006, quando a bebida era artigo raro no Brasil. Em 2010, produziu em casa os primeiros rótulos da marca Prima Satt. Foi quando conheceu Bruno Moreno, 30, e Luciano Silva, 29, que comandavam microcervejarias próprias — a Serra de Três Pontas e a Noturna, respectivamente.
Em 2014, a amizade virou negócio e os sócios lançaram a Cafuza, uma imperial india black ale que foi sucesso de vendas. “Mas, junto com a Cafuza, mantivemos nossas diferentes marcas. Os produtos competiam entre si”, diz. Em 2015, os amigos uniram as três cervejarias e fundaram a Dogma. “Desenvolvemos uma nova marca”, diz. Com apenas dois rótulos fixos e mais de cem sazonais criados nos últimos três anos, a Dogma produz 15 mil litros/mês de cervejas de estilos como IPA e stout em sabores exóticos como manga, tangerina e chocolate.
A fabricação é terceirizada e os produtos são vendidos em mais de mil pontos no país. Em agosto de 2017, um brew pub da marca ocupou uma antiga oficina mecânica no Centro de São Paulo. Além de bar, o espaço abriga uma pequena fábrica, com sete tanques e capacidade de produção de 2 mil litros/mês.
“É um local para a produção de lotes experimentais”, diz. Eleita em 2015 e 2017 a melhor cervejaria do Brasil pelo portal RateBeer, a Dogma encerrou 2018 com faturamento em torno de R$ 6 milhões, 25% acima de 2017.
Paulistânia
Cervejaria cigana é aquela que usa a estrutura fabril de terceiros para produzir sua bebida. A parceria é vantajosa aos dois lados (leia mais no box abaixo). Foi o modelo adotado pela Paulistânia, fundada em 2009 por Marcelo Stein, 53. Para produzir sete sabores, a empresa fechou parceria com a Casa Di Conti, de Cândido Mota (SP).
Em 2017, passou a produzir também na Berggren, de Nova Odessa (SP). O cervejeiro aproveita custos menores e o know-how do parceiro. “Fazer cerveja é uma coisa, comandar uma fábrica é outra”, afirma Stein.
“Na direção contrária, após a parceria a Di Conti lançou cervejas puro malte”, diz. Com produção de 6 mil litros/mês para venda direta, a Paulistânia planeja, em 2019, investir numa fábrica própria. “Se o projeto vingar, quero oferecer meu parque a ciganos.” A expectativa é faturar R$ 58 milhões em 2018.
OverHop
Em 2017, um ano após fundar a OverHop, participou com seis rótulos do prestigiado Mondial de La Biére, no Canadá. O evento rendeu frutos. Além de duas medalhas de ouro, a cervejaria carioca lançou um sabor colaborativo com a canadense Brasserie Harricana: o 8199, que leva açaí e framboesa.
A OverHop recebeu convites para produzir no Canadá, na fábrica da Oshlag, em Montreal (9 mil litros/mês), e da Common Good, em Toronto (3 mil litros/mês). Também lançou rótulos colaborativos com as duas cervejarias, para vendas no Brasil e no Canadá.
“Rótulos colaborativos são uma estratégia para as marcas chegarem a novos consumidores. No Brasil, já lançamos dez cervejas colaborativas”, diz Baruffa, como é conhecido no meio cervejeiro. No Brasil, a produção é feita na fábrica da Mistura Clássica, em Angra dos Reis (RJ). A OverHop faturou R$ 2,1 milhões em 2018. “Os planos, para 2019 ou 2020, são de construir a fábrica própria no Canadá”, diz.
Movimento cigano
O Brasil tem 835 cervejarias em operação, segundo o Ministério da Agricultura — em 2002, não chegavam a cem. Se a variedade de rótulos nacionais é bem maior, é por causa das marcas ciganas.
“Estima-se que existam até 3 mil marcas trabalhando dessa forma”, diz Lapolli, da Abracerva. O modelo “cigano” é um ganha-ganha. Para o microcervejeiro, permite entrar no mercado sem o alto custo de abrir uma fábrica. No modelo mais simples de contrato, o cervejeiro fornece a fórmula e o parceiro produz e vende o produto pronto ao contratante.
Em outro modelo, o cervejeiro compra a matéria-prima, envasa e acompanha a produção — a fábrica cobra pelos serviços de industrialização. Para o dono do ferramental, é uma forma de dividir os custos fixos, aumentar a escala e operar em plena capacidade.
Originalmente postado por /PEGN
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