“Compramos marcas e achamos que elas durariam para sempre”
Num raro depoimento público sobre o desafio de inovação que ameaça a 3G Capital, Jorge Paulo Lemann reconheceu que suas empresas precisam se adaptar e citou Starbucks, Nike e Inditex [a controladora da Zara] como exemplos a serem seguidos.
Tanto a Anheuser-Busch InBev quanto a Kraft Heinz são cada vez mais criticadas por seu controle de custos implacável — que chegou ao ponto de afastar talentos — e também pela falta de inovação e dificuldade em aumentar as vendas.
Comentando sobre o ‘disruption’ das marcas de consumo, Lemann — que participou ontem do painel “Estratégia e liderança em uma época de ruptura” na conferência anual do Instituto Milken — disse que a 3G está aprendendo com seus erros nos EUA e usará esse conhecimento para se proteger e avançar em outros mercados.
Na transcrição abaixo, preparada pelo Brazil Journal, ele responde as perguntas feitas pelo moderador do painel, o editor-executivo da Fortune, Adam Lashinsky.
As indústrias em que você investiu são indústrias antigas e voltadas para o consumidor: cerveja, comida… Fale sobre como essas empresas enxergam a inovação hoje e como vocês viram a inovação nas últimas décadas.
Eu sou um dinossauro apavorado, especialmente depois dessa conferência. Eu assisti a um painel sobre alimentos ontem, e ele só falaram em novos produtos e novas formas de produzir alimentos. Depois fui a outro painel, sobre inteligência artificial, e todos falaram muito sobre análise de dados e coisas assim.
Eu vivia naquele mundo aconchegante de marcas antigas e volumes grandes, em que nada mudava muito, e você podia só focar em ser mais eficiente e tudo ficava bem, e de repente nós estamos sendo ‘disrupted’ de todas as formas. Se você vai a um supermercado, você vê centenas de novas marcas na prateleira, e o cliente não quer sair mais de casa: ele quer tudo entregue na casa dele… Em cerveja, nós tivemos todos estes novos tipos de cerveja chegando [cerveja artesanal]…
Então nós estamos sendo afetados por tudo. O que estamos fazendo sobre isso? Estamos correndo para nos ajustar. Nossas empresas estavam presas às suas formas de fazer as coisas há muito tempo. Então, na cerveja, nós montamos um departamento totalmente separado: chama-se Zx, e a missão dele é lidar com essas rupturas e ‘disrupt’ nós mesmos. Contratamos gente nova, de todos os tipos: gente mais jovem, gente mais voltada para o digital, mais voltada para dados, e queremos que esse seja um modelo que a gente possa replicar nas nossas outras empresas. Estamos lutando.
Seria justo dizer que, na sua carreira, esse é um novo paradigma? Que você foi capaz de fazer as coisas basicamente de uma maneira até aqui, mas que agora isso é uma mudança de mercado?
Certamente. Compramos marcas e achamos que elas durariam para sempre. Tomamos muito dinheiro barato emprestado porque o dinheiro era barato. Isso funcionou muito bem. E aí a gente só administrava aquilo de forma um pouco mais eficiente, mas agora temos que nos ajustar totalmente às novas demandas dos clientes, clientes que hoje são muito mais volúveis: eles querem produtos diferentes todos os dias, querem que seja entregue de uma forma mais fácil…. nós realmente temos que nos ajustar.
Existem empresas grandes que estão à nossa frente, que também são empresas de commodities [e que se adaptaram]. Só para citar algumas: acho que a Starbucks é uma, a Nike é outra, a Zara na Europa… Portanto, tem gente que está num negócio como o nosso — um negócio tradicional — que se ajustou, então temos que ir nessa direção.
Se eu posso discordar, você disse que gerenciou essas empresas “com um pouco mais de eficiência”. Acho que a maioria das pessoas concorda que vocês administram “com muito mais eficiência”.
Bom… eu não sei .. As pessoas nos criticam por isso também. (sorri)
Mas para bancar o advogado do diabo: alguém pode dizer que você e seus colegas não são as pessoas para tocar essa mudança inovadora porque não é aí que está sua especialidade. Como você aborda isso?
Ah… eu tive várias carreiras na minha vida… fui jogador de tênis, um cara de finanças, entrei… eu tenho me adaptado! Eu tenho 78 anos, mas estou pronto! Eu estou lutando. Eu não vou deitar e fingir de morto.
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As cervejas artesanais já são populares há algum tempo. Para cada grande empresa, a questão não é tanto “devemos inovar?”, mas quando. Quando exatamente no ciclo? É no momento em que vemos algo acontecendo, apesar de ainda não termos validado, ou esperamos pela validação? Como você e suas empresas pensam sobre isso?
É importante mencionar que somos empresas globais agora. Aqui nos EUA, tudo está acontecendo, tudo está mudando muito rápido. Isso é bom para nós, de certa forma, porque podemos ver o que vai acontecer no resto do mundo mas não está acontecendo tão rápido. Na África, que tem um bilhão de pessoas e terá dois bilhões de pessoas em 25 anos — uma população jovem, clima quente — cerveja vai ser algo muito grande, e nós vamos ser capazes de aprender tudo o que estamos aprendendo aqui e eventualmente fazer na África … A China é um grande mercado em crescimento também .. Você tem algum tempo para fazer as coisas. Quando o craft [cerveja] nos pegou de surpresa, tínhamos acabado de entrar nos EUA, havíamos acabado de comprar a Anheuser-Busch. Então as craft entraram e aquilo realmente nos pegou de surpresa. Demoramos um pouco para reagir.
Como assim as ‘craft beer’ surpreenderam vocês? De que maneira?
Como eu disse, a gente estava agarrado na ideia da ‘marca sólida’ e de que isso é que era importante…. Aí de repente essas coisas novas chegam, e nós fizemos uma reunião do conselho num restaurante em que havia 200 marcas de cerveja artesanal, e nenhuma nossa. Coisas assim…. Então, nos surpreendeu, mas nós reagimos. Compramos 20 empresas de cerveja artesanal, trouxemos alguns caras a bordo e estamos aprendendo muito com eles. Nos mercados internacionais, não nos surpreenderemos mais. Se uma cerveja artesanal aparecer na Argentina ou no Brasil e parecer boa, vamos comprar na hora.
Assista ao vídeo completo aqui.
Texto originalmente postado em: Brazil Journal
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